segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Artigo enviado ao Blog

A ESTRUTURA FÍSICA DA ESCOLA E A PRÁTICA DE EDUCAÇÃO FÍSICA[1][*]


Francisco José da PENHA
Isabel Cristina de Aquino NUNES
Jonas Soares PEREIRA
Josemira Oliveira da SILVA
Mariana Rodrigues Neta da COSTA[2]


            Concebemos a escola pública como instituição em que se explicitam as contradições sociais, ao mesmo tempo em que se constitui um espaço onde as esperanças por uma sociedade mais democrática se renovam. Portanto, justificamos o valor de investigações no cotidiano nas instituições públicas de modo particular, a fim de contribuir com reflexões em torno de processos educativos neste cenário.
            Para analisarmos a questão do “espaço físico escolar” e sua influência no trabalho pedagógico da Educação Física, viemos a observar e a avaliar as condições físicas de uma Instituição Educacional da cidade de Alexandria/RN, denominada Escola Estadual Leôncio Barreto, situada a Rua Padre Carlos – 409, Bairro do Cascalho, que atende do 1º ao 9º anos do Ensino Fundamental.
            A referida escola funciona nos turnos matutino e vespertino, assistindo a 300 alunos distribuídos em 10 turmas (4 turmas de 1º ao 5º anos e 6 turmas de 6º ao 9º anos). O quadro docente é composto por 10 professores, tendo 2 destes professores lecionando a disciplina Educação Física teórica. A escola não oferece a parte prática da Educação Física.
            A realidade que observamos está condicionada a história política e social do nosso país. No Brasil, a preocupação com a construção de um lugar específico para funcionar como escola teve como marco histórico o advento da República. A partir deste período, um novo modelo de prédio escolar foi implantado em diferentes cantos do país. (FARIA FILHO, 2005; SOUZA, 2003) Eram escolas com instalações planejadas para atender aos objetivos educacionais para aquele contexto histórico. Não significa que não existiam prédios escolares, mas eram, em sua grande maioria, improvisadas e em quantidade insuficiente para os objetivos com a Instrução Pública a partir de então.
            Anísio Teixeira afirmava, já na primeira metade do século XX, a necessidade de investimentos na educação, para que os sublimes objetivos educacionais fossem atingidos. A este respeito afirmou: “Não há como fazer educação barata – como não se pode ganhar uma guerra barata. Se for nossa defesa que estamos construindo, o seu preço nunca será demasiado caro, pois não há preço para sobrevivência” (1971, p. 142). Ele acreditava no papel fundamental da escola pública numa sociedade em transformação e destacou a importância dos prédios e das instalações das escolas públicas. Para cumprir a sua função, seria necessário um ambiente preparado, com instalações que atendessem aos padrões médios da vida civilizada. Para tal, propõe um modelo de arquitetura escolar a partir da proposta “progressista” de tempo integral, que teriam a arquitetura organizada nas Escolas Nucleares e nas Escolas Parque (TEIXEIRA, 1971). Mas, segundo Dórea (2000), as escolas projetadas seguindo as ideias de Anísio Teixeira não foram efetivamente implantadas.
            A democracia populista instalada no país no pós-guerra se viu obrigada a ampliar a rede pública de ensino e, apenas nas décadas de 50 e 60, houve crescimento significativo da escolarização destinada às camadas populares. Na Constituição Federal de 1946, a educação torna-se obrigatória e gratuita (ROMANELLI, 2001). Segundo a Constituição Federal em vigor, aprovada em 1988: “a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família”. Entretanto, estas mudanças na legislação não resultaram em alterações concretas no sentido de oferecer escolas com padrão mínimo de qualidade à população.
            Diante da demanda cada vez maior por matrículas, as escolas são construídas em áreas impróprias, em espaços físicos mal utilizados, ambientes e salas de aulas dispostas de forma irracional, com material inadequado e sem condições de segurança, entre outros aspectos. Souza Lima (1998) questiona a qualidade das instalações escolares que na sua avaliação afeta diretamente a aprendizagem e o desenrolar de propostas curriculares:

         Escola não é estacionamento de crianças. O espaço físico é material riquíssimo e está sendo totalmente desprezado. Nos projetos de construções escolares não há lugar para bibliotecas, laboratórios e quadras de esportes, o que limita as possibilidades de aprendizado (p. 31).

            Acreditamos que as condições materiais (instalações, material didático, espaço físico) interferem de modo significativo nos trabalhos pedagógicos. Os esforços dos professores, por mais criativo que sejam e diante dos mais belos ideais educativos, podem fracassar, caso não encontrem espaços e condições materiais para concretização de seus planos de trabalho.
            Do ponto de vista político-pedagógico, tentar solucionar problemas estruturais em Educação que implicam em políticas públicas mais amplas e substanciais em termos de investimentos financeiros, adotando o discurso da “criatividade” como forma de suprir tais lacunas é, no mínimo, romantismo pedagógico e banalização do ato de criar e/ou recriar a partir de um processo que deve reunir condições materiais e trabalho sério.
            No início do século XX, com a implantação de grupos escolares não havia nos projetos arquitetônicos, muita definição de espaços voltados para o ensino da “ginástica ou de exercícios físicos”, apenas indicavam nos ordenamentos diversos a necessidade de pátios e, às vezes, de galpões. Para aquele período havia uma preocupação clara com a construção de corpos sadios e disciplinados e a destinação destes espaços poderia estar atrelada a estes objetivos.
            Freire (2008) lembra que os espaços destinados por lei (LDB 5.692/71, Decreto nº  69.450/71) para as aulas de Educação Física nas escolas, não permitiriam que a criança desse um giro com os braços abertos. Seguindo a lei na íntegra poderíamos colocar 50 crianças ao mesmo tempo em 100 metros quadrados. Não seria possível às crianças saltar, girar, correr.
            Atualmente não encontramos essa delimitação espacial nos documentos oficiais de forma clara. No nosso entendimento, as prescrições oriundas de órgãos oficiais que abordam a preocupação com espaço fisco escolar, estão atreladas diretamente à relação custo benefício. Ou seja, atender mais alunos com custos cada vez menores, sem investir em condições humanas para este atendimento. Em nossa avaliação, tal processo compromete a qualidade do trabalho pedagógico de qualquer profissional e, em particular, daquele comprometido com o ensino da Educação Física.
            Diante desse contexto, surge a Escola Estadual Leôncio Barreto, fundada na década de 1960, foi construída com 07 salas de aula, 01 galpão, 02 banheiros para os alunos (masculino e feminino) e 01 banheiro para os professores e demais funcionários (unissex), 01 pequena cozinha, 01 almoxarifado, 01 secretaria escolar. A estrutura mantém-se a mesma desde a fundação. Não possui espaço para a prática de exercícios físicos, apesar de, dentro da murada da escola, dispor de uma área muito grande não construída.
            A ausência e a pouca ou nenhuma qualidade de espaço físico e de instalações para o ensino da Educação Física podem ser compreendidos sob dois aspectos: a não valorização social desta disciplina e o descaso das autoridades para com a educação destinada às camadas populares. Se a presença da Educação Física na escola foi justificada por discursos pautados em entendimentos diversos, perguntamos: em que medida espaços e instalações para o ensino da Educação Física estiveram presentes nos projetos arquitetônicos das escolas?
            Os espaços e as condições disponíveis merecem ser adaptadas, reinventadas e criadas no nosso entendimento. Dependendo da concepção de ensino e da perspectiva curricular adotado pelo professor, espaços alternativos e obstáculos podem se transformar em recursos para possibilitar a criatividade, a inovação e a construção de práticas diversificadas. Não defendemos a ideia de que o trabalho pedagógico só pode se processar mediante condições materiais idealizadas, mas o que pretendemos destacar neste trabalho é o descaso com a escola pública que se reflete diretamente nas condições materiais para o trabalho docente. Nesta direção, é que perguntamos como a Educação Física é afetada no trabalho cotidiano daqueles docentes que atuam no ensino básico nas escolas públicas.
            Não observamos a existência de espaços alternativos para o ensino da Educação Física, como também para a prática de jogos e brincadeiras, nos momentos “livres” no cotidiano escolar. Como assinala Marcellino (2006) um dos fatores para os inúmeros equívocos que marcam a relação lazer e educação são os espaços e os tempos escolares que negligenciam o lazer como conteúdo cultural.
            Os discursos pedagógicos e os documentos oficiais ressaltam a demanda pelo trato em torno de questões ambientais. Porém na Escola Leôncio Barreto não há espaços para vegetação, hortas ou projetos ambientais. Que encaminhamentos a Educação Física poderia tomar no sentido de contribuir na valorização e exploração dos “espaços naturais” na Escola Leôncio Barreto? Não caberia repensarmos a construção de novas sensibilidades e novas formas de sociabilidade que valorizem a convivência harmoniosa com o meio ambiente?
            Outro aspecto que merece atenção diz respeito às condições básicas para higiene no ambiente escolar. Acreditamos que a tarefa de discutir a saúde não é só da Educação Física, mas de toda escola. Contudo, as condições físicas encontradas não permitem a concretização de preceitos fundamentais de higiene. A cozinha com infiltrações d'água e sem ventilação adequada, água para hidratação oferecida em bebedouro sem vedação no tanque de refrigeração, falta chuveiros para banho, etc.
            A respeito destas observações, cabe destacar, concordando com Souza Lima (1998), que todo espaço produzido pelo homem interfere no processo educativo de forma positiva ou negativa. O espaço condiciona nossos gestos diários, habitua nossa visão, estimula elementos simbólicos, estabelece pontos de referência. Se a escola não oferece espaço higiênico, tratado com cuidado estético, com áreas verdes e agradáveis aos sentidos, a criança se sentirá estimulada a desenvolver relações saudáveis e equilibradas com o ambiente, com o outro e consigo mesma?
            A política de educação inclusiva parece estar presente nos discursos e documentos oficiais e acadêmicos. A escola em questão não conta com instalações em condições mínimas para atender clientela que necessita de atendimento especial. Como alguns estudos apontam, a arquitetura tem sido uma barreira para o trabalho pedagógico numa perspectiva inclusiva (HUNGER, SAQUARCINI, PEREIRA, 2004; APOLÔNIO DO CARMO, 2002).
            Não é utópico acreditarmos que ao dar a necessária atenção ao espaço físico escolar, teremos uma melhora significativa no ensino da Educação física, pois serão nesses espaços em que a elaboração do conhecimento, a criatividade, a formação crítica e os objetivos traçados pelo professor tomarão formas.
            E como a Educação Física é uma disciplina que estuda a cultura corporal do movimento, um espaço físico adequado torna-se necessário para sua afirmação dentro do ambiente escolar.
           
REFERÊNCIAS

DÓREA, C. R. D. Anísio Teixeira e arquitetura escolar: planejando, construindo sonhos. Revista da FAEEBA. Salvador, n. 13, jan/jun, p. 151-160, 2000.

FARIA FILHO, L.M. O espaço escolar como objeto da história da educação: algumas reflexões. Revista da Faculdade de educação. São Paulo, v. 24, n.1. jan/jun, p. 141-2005.

FRAGO, A. V; ESCOLANO, A. Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa. Rio de Janeiro, DP&A, 2001.

FREIRE, J.B. Educação Física de corpo inteiro. Teoria e prática da educação física escolar. Rio de Janeiro, Editora Scipione, 2008.

HUNGER, D; SQUARCINI, C.R; PEREIRA, J.M. A Pessoa portadora de deficiência física e o lazer. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. Campinas, Autores Associados. v. 25, n.3, maio, p. 85 – 100, 2004.

MARCELLINO, N.C. Educação e lazer. Campinas, Papirus, 2006.

ROMANELLI, O. História da educação no Brasil (1930/ 1973). Petrópolis, Vozes, 2003.

SOUZA LIMA, M. W. Espaços Educativos: usos e construções. Brasília, MEC, 1998.

SOUZA, R. F. Os templos da civilização: a implantação da escolar graduada em São Paulo – 1890 -1910. São Paulo, Cortez, 2003.

TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971.




[1]    Artigo apresentado como requisito avaliativo da Disciplina História de Educação Física, semestre 2011.2, do Curso de Educação Física – CDE, do Campus Avançado “Profª. Maria Elisa de ª Maia” – CAMEAM, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN.
[2]    Alunos da Disciplina História da Educação Física (CDE/CAMEAM/UERN)


[*] O propósito desse artigo não é apontar culpados pela real situação da Escola Leôncio Barreto, nem tão pouco tratar o assunto como ar de denuncia. Apenas mostrou-se a inércia do Estado para com o descaso que, historicamente, marca a educação de nosso país.

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