terça-feira, 1 de maio de 2007

UMA CONVERSA COM SEU SEVERINO
Hoje, no dia 1º de maio, vou homenagear o trabalhador com o exemplo de vida do Sr. Severino de Paiva Cavalcante, 95 anos, dono de uma lucidez incrível e de uma memória que não é peculiar aos nossos jovens. Seu Severino (como é conhecido) é capaz de narrar com detalhes, fatos ocorridos há décadas, com precisão de nomes e datas.
No dia 11 de abril estive em sua residência, à Rua Padre Isidro Gomes, não basicamente para uma conversa, mas para ouvi-lo, deixar que a ausência de uma vida mais ativa que lhe abandonou devido os seus problemas de saúde com a idade, fluísse com o seu desejo de conversar, de matar a saudade das pessoas que ele acompanhavam quando era dono de uma saúde que lhe permitia enxergar e ir para as esquinas fazer o que mais gostava, ver gente.
Um apaixonado pelo Corinhians, comparou a situação do seu time de coração com a sua vida. “J.Gomes, eu sou como aquele jogador de futebol que está com um cartão amarelo, na eminência de cometer uma falta e receber o cartão vermelho. Hoje eu sou como uma criança, levado pra cama, recebendo comida na boca, tudo o que eu faço tem que ser pelas mãos dos outros. O meu filho Evandro, me conforta, dizendo que pior seria se eu tivesse acometido de dores, mas sinto um desgosto profundo por não poder mais enxergar” – lamentou.
Mesmo assim, Seu Severino não deixa a velhice lhe dominar. “O meu corpo não atende mais o meu comando, mas a minha mente está lúcida, e posso dizer que ainda vivo” – falou com a altivez de quem sempre está informado com os acontecimentos, ouvindo o rádio, o Jornal Nacional da Rede Globo e em conversas com os amigos que sempre vão a sua casa, onde é cuidado por Maria Leonor, uma filha adotiva, que diz querer muito bem.
Uma lágrima rolou pelo seu rosto marcado pelos anos, quando falou do seu primeiro casamento com Francisca Nunes de Aquino, que morreu no parto com apenas 18 anos de idade e 3 anos de casada. Disse ter sido a maior tristeza da sua vida. “Ela estava com uma infecção generalizada. O médico botou a mão no meu ombro e disse que eu me conformasse. Ao entrar no quarto ela me abraçou e me pediu que lhe aplicasse uma injeção, pois ela não queria me deixar” – falou com tristeza.
Sobre o seu segundo casamento, o relato foi de decepção. Disse que casou muito rápido sem conhecer muito à noiva, por imposição dos pais de Helena. Na noite de núpcias, ao entrar no quarto ela pediu que ele se retirasse porque iria dormir. Para Seu Severino, isso foi decepcionante. No outro dia, ela lhe pediu desculpas e perguntou se ele gostava dela. Ele respondeu que sempre gostou das pessoas, mas infelizmente não a amava. O casamento durou poucos meses. Helena hoje reside em Martins e, nunca mais casou. “Infelizmente eu não consigo lembrar do seu rosto, nem em sonho. Eu sei que já estou no fim da vida e gostaria muito de me encontrar com ela, para lhe pedir perdão” – confidenciou.
O terceiro casamento que lhe trouxe muitas alegrias e muitos filhos foi com Raimunda Paiva de Oliveira (já falecida). Dessa união nasceram Maria da Conceição Paiva, Maria Iara Ferreira de Paiva, Maria Eliana de Paiva, Maria Nancy de Paiva, Maria Edna de Paiva, Raimundo Paiva Cavalcante, Raimundo Ogando de Paiva, Benício de Paiva Cavalcante e Raimundo Evandro de Paiva.
Falamos ainda sobre religião e política. Ao narrar que trabalhava como Escrivão de Boa Esperança, perguntei como ele comparava a justiça de hoje com a do passado. “As pessoas hoje não respeitam a justiça e a lei hoje não corresponde com os anseios dos homens de bem, existem muitas brechas na justiça para impunidade” – disse. Terminou contando uma história de que havia sido testemunha de um crime, enfatizando a seriedade dos homens no ofício do seu trabalho. Ao se dirigir para Martins no lombo de um burro, encontrou na subida serra o Oficial de Justiça Manoel Miguel, que o parou e pediu que ele descesse do burro para ouvir a intimação da justiça. Ele disse: - Miguel, estamos só nós dois aqui no meio do mato, não precisa dessa formalidade. O Oficial de Justiça não atendeu o seu pedido e ele teve que apear, tirar o chapéu e ouvir de Manoel Miguel a leitura da intimação em altos brados.
Voltei a sua residência hoje para fazer essas fotos e fiquei por quase 1 hora conversando. Demonstrou muita alegria com o lançamento do livro de George Veras, filho do grande amigo Antônio Veras, com quem disse ter aprendido muito. Mas, lamentou não poder ler o livro, comprovando a sua lucidez, pela sede de conhecimentos.

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